segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Um dilúvio

Aparentemente, os dois tinham terminado e era preciso sair de casa. Enquanto andava pelas ruas que sempre foram suas, sentiu os primeiros pingos de uma chuva que acabaria com o mundo. Tudo foi inundado e se sentia feliz por não precisar explicar para nenhuma pessoa o que aconteceu, já que agora não havia os outros. Aparentemente, o seu problema já não significava mais nada. Enquanto batia braços e pernas no meio de toda aquela água, encontrou-se com um tubarão poderoso, aquele que deveria ser o rei dos tubarões, já que carregava consigo uma discreta coroa. E ele disse: agora é hora de relaxar. Fechou os olhos e viu tudo o que sempre sonhou desaparecer no meio da água. E foi assim que nada mais importou. E foi um bom jeito de acabar, pensou pela última vez.

domingo, 4 de março de 2012

Inacabado

Tinha sempre por perto uma pasta cheia de textos que começou a escrever e parava antes de terminar. Quando alguma daquelas sensações sem nome certo (mistura de tudo o que conhecia, um bom tanto de novidade e um toque de susto na cobertura, pra amargar o sabor na boca) aparecia, ela corria para o começo dos seus textos já iniciados e tentava agora terminar de escrever e de sentir. Mas nos últimos dias andava tão longe de si mesmo que nem os textos começados faziam sentido e nem conseguia encontrar aquela ponta de referência no meio do solo árido e amplo que se tornaram suas próprias lembranças. Isso sim era novo. Sabia que as palavras bonitas não vinham mais e que estava com uma dificuldade fora do comum de se articular. As juntas das pernas estavam duras e as dobraduras do cérebro não eram mais como antes. Se põe a escrever apenas para ver se em alguma parte ainda é quem foi. Ou se é outro no mesmo. Ou se sabe quem é depois de mudar. Mas começa e nada aparece, nem o velho palavrório egocêntrico e pretensioso em que rimava as palavras com as consoantes e inventava histórias de ônibus só para emocionar alguém. Agora apenas acaba o texto sem fim, porque escrever mais não parece que vai resolver nenhuma das suas novas questões.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Para você, que talvez ainda me lê

A vida continua a mesma, você sabe?, apesar desses textos tristonhos, dessa aparência de infelicidade, a vida só tem sido ela mesma. Cruel às vezes, empolgante outras tantas, mas a maior parte do tempo, só algo bem normal. Não há motivos para preocupações. Às vezes eu ainda escrevo pra você. Às vezes eu desejo saber como anda sua vida e me agarro no celular para te mandar um oi. Mas parece que seu número não é mais o mesmo. Acho que ao contrário do que se passa por aqui, houve mudanças do lado de lá, não é?, um final de ano renovador. Eu continuo escrevendo do mesmo jeito, frases feitas pela metade, metáforas pobres, referências a ele e a ela, literatura pobre para quem e por quem não sabe expressar direito o que sente, ou o que há muito deixou de sentir, mas ainda lembra. Sempre penso que o pior da dor não é ela em si, mas a memória da dor e o medo de sentir aquilo de novo. Mas hoje não dói. Só o estômago, mas é porque sou ansiosa e não consigo não sentir nada. Algo em mim sempre dói. Um bom sinal, lembra que é assim mesmo viver, uma vulnerabilidade constante, à beira do fim ou do começo, depende de um de nós.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Lips like sugar

Graxa na mão, portão de casa emperrado, cabelos sujos, possibilidades impensadas, pensamentos apreensivos, esquecera que podia encontrá-lo. Entra às pressas, foge do cachorro louco, pula a barreira da porta e descobre a meia-calça furada. O fim de toda uma preocupação estética. Lips like sugar. Nada, nada diferente poderia estar tocando. A mesma sensação, a normalidade, o abraço lógico, só mais uma noite comum para ser guardada. No lugar do baralho, a massa branca de pizza. Tudo pode ali. E tudo continua exatamente igual, para sua felicidade conformada. Sugar kisses.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Histórias de ônibus

Essa é uma história que eu ouvi no ônibus, dia desses. Não sei se é verdade, não me importo com isso, mas adoro quando as pessoas contam histórias e não ouvem (alto) suas músicas. Mesmo quando a história é triste como essa. A menina, amiga da prima da menina maís gordinha e de cabelos bem pixainzinho que estava sentada na minha direção, tinha amado um único rapaz na vida dela. A amiga da prima sabia disso porque todo mundo comentada como a tal menina sempre foi recatada a vida toda. Na família diziam até que ela devia ser sapatona. Sabe como é... mas ela teve essa paixão. Se conheceram, se adoraram, não se desgrudaram mais, até o dia que ela viu o amor da vida dela com uma desconhecida. Feia. Diz que era feia o motivo da traição. Pois a tal menina que não era sapatona, caiu de cama e nunca mais levantou. A gordinha de cabelo pixainzinho disse que já faz três anos e meio. E meio! Que a amiga da prima não sai de casa. Parece que os cabelos caíram – ela era dona de uma cabeleira bonita de ver – e que ela ficou viciada naqueles canais que passam jogos interativos. Ela fica a noite toda acordada sem falar e só come pra não morrer mesmo. A outra, do lado, que eu só conseguia ver a ponta da cabeça, cabelos bem engomados e com uma xuxinha de tecido azul, xuxinha, como se dizia antes, concluiu que a tal menina, a amiga da prima, só podia gostar de sofrer, que era esse o prazer dela. É a única explicação, disse. Porque se não quisesse mais sofrer, ou já tinha dado o troco à altura no tal amor da vida, ou já tinha desistido de vez de viver. Ah, essa daí gosta de sofrer, falou com o sotaque de mineira típica. Ruim mesmo era se tivesse grávida, se já tivesse casada. Ela nem era nada do rapaz, ah... não acredito em mal de amor, declarou. Assim, deu dois beijos na amiga do cabelo pixainzinho, pegou as sacolas que tinha descansado no chão, apertou a campainha e desceu, sem não antes acenar três vezes uma pra outra. A que ficou, pulou pro banco do lado da janela, fechou os olhos e em pouco tempo vi que ela, mesmo sorrindo bem calma, deixava escapar umas lágrimas no canto do rosto. Eu, hipnotizada, aumentei o volume do meu fone e fiz o mesmo.