quarta-feira, 25 de abril de 2007

2007

Quinta-feira, Abril 12, 2007


Pensamentos rápidos, rápidas ofensas, sucesso fugaz. 
Casas entre bananeiras, mulheres entre laranjeiras, 
pomar, amor, cantar 
Eita como Drummond estava certo, meu Deus! 

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Quarta-feira, Abril 04, 2007


Queria ter publicado enquanto o Festival de Teatro acontecia, mas já que não deu, aqui vai: 

"Resenhas da Milena (publicadas no descubracuritiba.com.br) parte II" 

Destruidor - As 9 partes de desejo 

O cenário nos remete a uma caverna feita de lona onde nove mulheres de origem iraquiana expõem suas experiências chocantes. Logo no começo, uma das personagens que Clarisse Abujamra interpreta explica que, no Iraque, a questão é sempre a vida e a morte e não há tempo para a arte. A vida e a morte são os temas pujantes na peça ¿ o que embarga, o que engasga, o que dói. 

Não acredito que alguém queira mesmo ouvir essas histórias. Elas são por demais aterrorizantes, sôfregas e quase inacreditáveis. São meninas com múltiplos casos de câncer, idosos mortos embaixo de um tanque de guerra, artistas que não conseguem deixar seu país. São histórias de uma realidade cruel, distante de nós, mas verdadeiras e extremamente dolorosas. 

Ninguém quer ouvir isso porque dói. Ao final do espetáculo, lá estávamos nós, destruídos, com lágrimas nos olhos, pensando, assim como uma das mulheres da peça, em como pegar um metrô agora e passar na lanchonete pra fazer um lanche. Impossível continuar a viver normalmente. 

Não lembro por que me interessei por As 9 Partes do Desejo, mas ainda bem que eu estava lá, na frente de alguém que tem coragem de contar as tristezas mais reais do mundo ¿ enquanto eu apenas me preocupava com a arte. 

Hagënbeck Ltda 

Um monitor de segurança do lado de fora do teatro já prepara para algo diferente. Dentro do teatro, uma pequena câmera presa ao teto observa todos os movimentos de Pedro Vermelho, um ex-macaco que foi capturado nas selvas da Costa de Ouro e aprendeu como imitar os humanos. Pedro descobriu que precisava ser hábil para mudar seu destino e não ir para um zoológico, mas para o Music Hall. 

Hagenbeck é uma empresa que promove expedições, como a que capturou Pedro Vermelho. O público no teatro é um visitante da empresa, curiosos para escutar as explicações que Pedro, agora humano, dá sobre seu ingresso na espécie humana. 

Durante sua fala, decorada de forma falha por um cérebro primata, uma campainha toca toda vez que Pedro se perde, divaga ou questiona além do permitido. O ator Marcelo F. de Souza interpreta o novo Pedro humano: seus braços e pernas ¿ e por vezes até sua cabeça raspada e suas orelhas protuberantes ¿ ainda mantêm a postura de um primata, apesar de sempre ereto. Em suas mãos, um títere é manipulado, um pequeno macaco metade pêlo, metade carne, relembra passagens da vida de Pedro-símio. 

As frases vindas da caixa de som exultam a empresa Hagenbeck: ¿você além da evolução¿, ¿o futuro hoje¿. Pequenas semelhanças com o filme ¿Minority Report¿ e o discurso irônico são críticas que amedrontam nosso futuro. 

Essa nossa juventude 

Decepção é a palavra que melhor explica o sentimento com que muitas pessoas saíram do Teatro da Reitoria ontem. Difícil é tentar explicar com que sentimento tantas outras entraram: celulares ligados, flash de máquinas fotográficas, muita conversa, muito barulho e muita risada de piadas sem graça. 

Falta de respeito também é outra definição para tentar entender por que os atores anunciados no guia do Festival não estavam na peça. E estamos falando de atores de novela, que atraem público ao teatro e que fazem muitas jovenzinhas desejarem a primeira fila. 

Nada na sinopse, nada no programa. Apenas com uma busca no Google é que se descobre que Cauã Reymond e Maria Luisa Mendonça são substitutos de Caio Blat e Simone Spoladore. O único ator fixo é Frank Borges, terrível em seu papel de Dennis, o enrolado amigo de Edu (Blat). 

¿Essa Nossa Juventude¿ fala das relações de três adolescentes e o que eles fazem com a vida. O tema que poderia ser interessante fica perdido debaixo das interpretações histriônicas e dos longuíssimos 100 minutos (some-se ai o atraso habitual e as propagandas dos patrocinadores). 

Uma das grandes apostas do Festival, logo na primeira e interminável cena, mostrou-se chata e mal conduzida. Atores como Caio Blat e Simone Spoladore, conhecidos por jovens interpretações memoráveis, forçavam uma aparência pueril, falando com gírias falsas e gritos irritantes. Muito do que foi dito, verdade, ficou escondido pelo barulho das cadeiras do teatro e das conversas e risadas (excessivas) do público. 

Mas a palavra para essa nossa juventude é mesmo decepção. Público estranho, peça maçante, calor, barulhos. Tudo colaborando para uma frustrante noite de quinta-feira. 


Marat ou A Hora em que Perdemos a Cabeça 

Marat ou a hora em que perdemos a cabeça começa quatro anos depois do início da Revolução Francesa, da queda do rei e de muitas cabeças, como explica uma personagem loucamente simpática ¿ que comenta, anuncia e prepara o ânimo do público. é preciso: dezenas de cabeças de bonecas espalhadas pelo chão, uma banheira, dois imensos bancos de madeira e a temática séria sobre a morte de Marat exigem mesmo uma personagem sorridente ¿ mesmo que louca ¿ para começar bem. 

Marat foi um dos principais líderes da Revolução Francesa, jornalista defensor das guilhotinadas e panfletário da carnificina que aterrorizara aquele país. Mas, em cena, a única coisa a que assistimos é o dia da morte de Marat, 13 de julho de 1793, a véspera da comemoração da Queda da Bastilha. 

Quando a história começa, logo uma música eletrônica (completamente oposta ao período histórico, ao clima tenso e ao que esperávamos) faz Jean Paul Marat começar a dançar pequenas pancadinhas com seu corpo, balançar a cabeça e manter o olhar sôfrego, sonhador e sonolento. 

A peça nos coloca como espectadores da morte, diz claramente que nada podemos fazer para mudar aquilo que é História. E, algumas vezes, ironiza nossa condição de público pós-moderno, já que hoje seríamos muito melhores, civilizados e cristãos. Mas Marat morre e, como previsto, hoje ele não é lembrado, seu nome deixa de ser ¿Marrá¿ ¿ como em bom francês ¿ para tornar-se ¿Maráte¿, como qualquer um. 

Em tempo: a intensidade com que cada um daqueles quatro atores cria a espera da morte de Marat é imensa. A loucura travestida de ideal (ou seria o contrário?) ecoa como uma crítica aos sonhos de igualdade, fraternidade e liberdade. Marat não fala como um líder, mas como um ventrículo de si mesmo. A trilha contemporânea e as quebras constantes com comentários diretos para o público trazem de volta à realidade e provocam a reflexão. 

Intensa, como já disse, rápida, atual e muito simpática, apesar da loucura, ¿Marat¿ é uma ótima história sobre a espera da hora em que vamos perder a cabeça. Ou abaixá-la. 

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Áridas Flores - Trilha sonora para Sabrina 

Há um quê de amadorismo na tentativa de emocionar de "Àridas Flores". A profundidade barata, os abraços repetidos, as vozes embargadas e frases como "eu sei o que é viver sozinha" ou "a loucura não mora na inteligência" são pequenos itens de uma peça fraca. 

O grupo de Brasília se propõe a "levar o universo feminino para o palco, mostrando poeticamente a solidão, a loucura, a morte e a esperança, sem referências de tempo ou espaço". Para isso, acredita no trabalho corporal dos atores que, infelizmente, não é o bastante. 

Os gestos repetidos e comuns, o uso óbvio do palco e as expressões variando entre o olhar sonhador e o olhar assustado evidenciam um trabalho ingênuo, crente em um texto frágil, às vezes pretensioso, mas, certamente, inconsistente. "Não seja espectador de sua própria vida", "gostaria de saber quem sou" são frases "profundamente rasas" ditas pelas cinco atrizes, que vivem três personagens em tempos imprecisos. 

As belas moças e o belo figurino não são o bastante para encantar. A música progressiva da banda Gênesis é chata, alta demais, tem teclados de 1980 e um vocalista que confunde sua voz com a dos atores. 

A narrativa não marca um lugar ou um período na vida das mulheres, mas também não vai além da loucura, do amor, da esperança e da desesperança contada em livros de bancas de jornais, com o prejuízo de ter o som do Gênesis no fundo. 

O Conto do Vigário - De boa intenção... 
Típica comédia de farsas, a peça ¿O Conto do Vigário¿ é divertida e despretensiosa. O grupo mineiro ¿ e o sotaque não deixa dúvidas ¿ se desdobra para contar as peripécias de um padre que comete assaltos para ajudar a sua comunidade. 

Não há muito mais o que dizer que a palavra peripécias não resuma. Em confissão, um ladrão diz que vai conseguir 20 mil reais em um assalto e dá detalhes do plano para o padre. Acreditando ser este um sinal divino para suas orações, o padre aparece antes de Felix Crispim, o ladrão, e leva o dinheiro direto para as caixas de ofertas da igreja. 

Cheio de desentendimentos, trapalhadas e desencontros, a peça faz algumas críticas ao sistema capitalista, mas aposta mesmo nas risadas fáceis e piadas ligeiras. Não há enfado, mas também não há brilhantismo. Apenas uma peça simples, correta e pueril, mas que deve passar desapercebida. 

Prometeu Acorrentado 
Sabe quando você sabe que um grupo estudou muito para montar uma peça e ela apenas não comunica? é como ouvir uma palestra sobre as possibilidades da mutação genética para as plantações de gérbera quando não se é geneticista nem florista. Parece que você não é o público alvo. 

A sinopse de ¿Prometeu Acorrentado¿ falava de ésquilo e grego antigo, Odin Teatret e Eugenio Barba, e prometia contar a história de Prometeu, que levou o fogo do conhecimento aos homens e pagou com seu fígado por isto. Todos os tópicos foram realizados, desinteressantemente. 

A história do homem que foi abandonado por Deus é contada e cantada em inglês, português, grego e italiano, em uma mistura que mais confunde do que ajuda na narrativa. A encenação, criada pelo ator Raffaele Schettino, é séria e entediante. As projeções no final da peça contradizem um pouco o ¿teatro pobre¿ de Eugenio Barba e não amenizam a maçada que ¿Prometeu Acorrentado¿ é. 

Lingüistas, estudiosos e psicanalistas podem gostar mais do trabalho do Groucho Teatro do que o público médio, assim como aquela história do geneticista. 


Resposta da Companhia: Esta é a condena de hoje: incapacidade de comunicar."Ser livre é nada, se tornar livre é coisa celestial", diz Prometeu. 
Poderíamos precisar de uma mutação genética para chegar lá: quem sabe, talvez em gérbera! 
A nossa experiência com o publico nestes dias em Curitiba, foi em verdade oposta: os espectadores que nos deram um retorno positivo (até as lagrimas) foram pessoas não ligadas ao universo teatral ou universitário e que chegaram ao Solar com a curiosidade pelo cartaz do espetáculo. 
Raffaele Schettino 

P.O.R.Ã.O. ¿ Parte Orgânica Referente ao Ontem 

Ao final da peça, um dos integrantes da companhia do Porão explica que a montagem ¿P.O.R.ã.O ¿ parte orgânica referente ao ontem¿ é resultado de pesquisas individuais, costuradas para criar uma peça. Esta informação ajuda a entender a proposta, mas não ajuda a apreciá-la. 

Recebi uma bola de sorteio de bingo e alguém me disse ¿hoje eu te nomeio meu cúmplice¿. Ninguém explicou o motivo do presente ou da cumplicidade. A verdade é que depois que me senti acuada pela primeira vez, não pude mais escutar plenamente os atores. Eu estava na defensiva. 

Quase todas as interferências com o público foram desnecessárias ou agressivas. Os oito personagens contavam seus casos de solidão, mas sempre acabavam se aproveitando da elevação do palco para lançar olhares acusadores e inquirir a platéia. 

Como se não bastasse, os atores - não tendo um bom texto para servir de apoio às suas interpretações medianas ¿ esforçavam-se para arrancar lágrimas de seus próprios olhos, criando um ar de sentimentalismo fugaz. 

Por pouco, o melhor momento da peça quase passa despercebido: a música Miss Lexotan 6mg é uma pérola e os cantores ficaram ótimos debaixo dos guarda-chuvas. 



Após Ser Jogado no Rio e Antes de Me Afogar 

Steven é um cachorro que gosta de pular e de correr, mas um dia ele salta um rio e cai. Seu corpo fica preso entre galhos e o cãozinho morre afogado. 

Enquanto está morto, ele curte o invólucro inchado que é o seu corpo e descobre que não há muita diferença entre a vida e a morte. Até que volta a ver o sol e entende que ele é Deus. 

Resumidamente, é essa a história de ¿Após ser jogado no rio e antes de me afogar¿, uma peça bastante simpática da Companhia Provisória. Os três atores em cena interpretam os cães e os esquilos ¿ estes, animaizinhos fofoqueiros e debochados. Simplicidade é a chave da beleza da peça, que ousa esvaziar o palco e preenchê-lo com uma trilha sonora de arrepiar. 

Assim como Flush, o cocker spaniel inglês que é personagem principal do livro de Virginia Woolf, Steven é um cão cheio de personalidade, atento, que analisa as pessoas, reflete sobre as curiosidades da vida, ama outra cachorrinha e conclui: ¿ela pode ser minha irmã. Ou minha mãe¿. 

Depois que caiu no rio e antes de morrer afogado, Steven expressa outras verdades sobre a humanidade e surpreende a todos quando retorna da morte, seis dias depois, e corre em um campo verde e interminável, em uma das melhores visões sobre como pode ser o céu. 

O protagonista cão, os comentários ácidos dos esquilos, o palco vazio e a temática incomum só não são melhores que as músicas, que nesta peça tem um papel todo especial ¿ e são excelentes. 

A Refeição 

Difícil entrar na história de ¿A Refeição¿. O tempo inteiro a peça te empurra pra fora, causa rejeição, antipatia e não-identificação. As três histórias de Newton Moreno, dirigidas por Denise Weinberg, mostram situações em que o ato canibal, é necessário, implorado pelos personagens como uma prova de amor ou de sobrevivência. 

Que tema estranho de se discutir a antropofagia! Que metáforas existem para este tema? A última cena responde: um antropólogo busca registrar uma língua que só é falada por um indígena, prestes a morrer. Mas o índio avisa que aquilo não é importante, que toda hora morre uma palavra e ninguém presta atenção. 

Como último pedido, o índio implora que o estudioso perpetue a sua tradição, comendo seu corpo morto para que ele não desapareça. E a realização deste canibalismo representa o inverso da metáfora, ou seja, a tradição não morreu, não foi engolida pela cultura dos brancos, mas teve uma última oportunidade de acontecer. 

Um pouco indigesto e bastante distante, ¿A Refeição¿ não vai além do que o que está em cena. Quer dizer, sem uma conversa com os criadores antes de assistir à peça, é duro entender o que eles pretendem. E como o público não tem a oportunidade de participar de uma coletiva de imprensa, ¿A Refeição¿ termina no teatro e não vai pra casa. 

Zona de Guerra 

Já não fosse o bastante assistir a dez minutos de propagandas dos patrocinadores do Festival em pé, quando o suplicio parecia terminar, começa um vídeo-apresentação do trabalho da Companhia Triptal, de São Paulo. Nele aparecem diretor, diretora, produtor, imagens das peças, dos ensaios, e todo um prefácio estranho e explicativo que procura deixar claras as intenções do grupo com aquela montagem, como se tudo isso fosse necessário para gostarmos mais ou entendermos melhor a peça ¿Zona de Guerra¿. 

Meia hora depois, estávamos sendo espremidos na platéia provisória instalada no ¿Barracão¿ e torcendo pra que ela fosse bastante segura. 

Começa a peça e vinte minutos de silêncio se passam. Silêncio não, porque o som do mar e os rugidos do navio enlouqueciam a todos, como deve enlouquecer os homens que passam anos da sua vida vivendo com outros homens e ouvindo os barulhos do mar. 

é pensando nessa convivência, nos relacionamentos masculinos e na desconfiança que a guerra produz que Eugene O´Neill escreveu ¿Zona de Guerra¿ e outras peças (isto eu não precisei entender já que o vídeo inicial explicou tudo). Na história, um sujeito chamado Smitty tem um comportamento estranho aos outros marinheiros e começa a levantar suspeita depois que descobrem que Smith carrega com ele uma misteriosa maleta preta. 

Isso não seria nada se o navio em que esses homens estão não carregasse armas clandestinas e não estivesse adentrando a zona de guerra. O pavor das minas escondidas e dos submarinos inimigos coloca a todos em estado de alerta e uma simples maleta preta pode significar uma bomba ou ordens de guerra para os mais amedrontados. 

A tensão constante e a desconfiança total é o ponto de discussão que a peça quer debater ¿ e isso faz bem. Mais eficaz seria se o público estivesse bem acomodado e sem pernas, costas e ombros doendo depois de uma hora ¿ já que a opção pelo espaço alternativo não somou muita coisa para a montagem. Mais eficaz ainda se nós tivéssemos a chance de concluir isso antes de assistirmos ao frustrante vídeo. 


Trabalho de Amor Perdidos 

Não há muita novidade na peça inédita no Brasil ¿Trabalhos de Amor Perdidos¿. Também não há graça ou ritmo. A peça é mais uma das comédias de costumes e farsas encenada como previsto, sem nenhuma visão que acrescente alguma nova proposta para o público interessado em Willian Shakespeare. 

E não falo aqui de adaptações, mas de novas visões, novas formas de dizer o que já foi dito e de encenar o que já foi tantas vezes feito (mesmo que neste caso seja algo inédito, mas o como é repetido). 

A peça do grupo mineiro Companhia Lúdica dos Atores é quase sempre arrastada, provavelmente porque opta pela montagem integral do texto, por que usa figurinos de época (no melhor estilo ¿trapinhos costurados para criar um visual¿) e fala num linguajar rebuscado. 

Mas o mais desanimador mesmo é que ¿Trabalhos de Amor Perdidos¿ é longo demais. (Precisei ¿ e aqui peço desculpas ao grupo ¿ sair antes do final porque o tempo já estava ultrapassado do seu limite em 15 minutos e eu ainda precisava correr para outro espetáculo.) E nem a música desafinada, a versatilidade dos oito atores ou as piadas de duplo sentido fazem o tempo passar mais rápido. 

A história do rei de Navarra que declara que todo seu reino precisa ficar livre das mulheres para que haja tempo para o estudo é toda cheia de meandros e gracinhas, mas o pecado do tempo e da (falta de ritmo) torna difícil apreciar o resto. 


A Hora e A Vez de Augusto Matraga 

No Segundo Grau, meu professor de Português dedicou boa parte dos três anos de estudo de Literatura a Machado de Assis e João Guimarães Rosa. Pois lá estávamos nós, com 16, 17 anos, analisando profunda e seriamente a obra de estréia de Guimarães, Sagarana. O que para muitos foi um trabalho forçoso, penoso e (há quem tenha dito) sádico, para outros, foi uma tarefa árdua sim, mas que teve aquele sentimento de tarefa cumprida, o agradecimento por alguém ter nos forçado a ler aquelas coisas e, de certa forma, gostar delas. 

Principalmente por esta história do passado é que não poderia deixar de ir assistir a ¿A Hora e a Vez de Augusto Matraga¿, peça da Mostra Oficial do FTC. Os medos eram muitos, afinal, quem se atreve a adaptar Guimarães para o teatro? E que medo que eu tive ao ler o nome Vladimir Brichta no elenco! Sim, puro preconceito (mas às vezes ele me livra de muitas furadas). 

Peça começa: cenário bonito, figurinos funcionais, coxias abertas, atores músicos, interpretações muito versáteis, bem dirigidas e com soluções muito originais para os problemas que o texto - originalmente literário ¿ poderia dar. Tudo bem bom, bem feito, fazendo com que meu pé atrás sobre a peça voltasse junto ao outro pé e se acomodasse definitivamente na cadeira. 

De forma que acaba a peça; eu, feliz, sem ter com quem comentar o espetáculo e desconfiada da ovacionada recebida pelos atores, saio do teatro satisfeita e muda, quando encontro com o tal professor do segundo grau. 


- Milena, sempre te encontrando nos festivais, hein? 

Conto que estou escrevendo as resenhas, aponto um jornal e pergunto: 

- Gostou da peça? Pensei muito que você iria gostar dela. 

A esposa dele, sorridente, diz que ele chorou. Ele, encabulado, afirma: 

- Não é sempre que encontro o Guima em cena, né? 

Final da conversa e a certeza do veredito: a peça ¿A Hora e a Vez de Augusto Matraga¿ faz jus ao texto, ao autor e as esperanças do meu professor de Literatura. Valeram todas aquelas palmas. 

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Vidas Cíclicas 

A junção de músicas brasileiras, poesias famosas e frases marcantes cativou o público que assistiu à única apresentação de ¿Vidas Cíclicas¿ no Festival de Teatro. 

As duas atrizes em cena representavam cenas da vida de uma mesma mulher, desde a infância até a velhice. As preocupações de cada idade, os medos e as dificuldades de ser mulher contam de uma forma simpática a roda viva que é a vida. 

¿Lavar a honra com sangue suja a roupa toda¿, ¿ter nascido me estragou a saúde¿, ¿as pessoas invariavelmente começam a se apalpar na casa dos 40¿ são algumas das frases de Vidas Cíclicas. 

A encenação exigiu pique de Aslucianas (já que pulavam, dançavam, rolavam) e foi justamente o fôlego que faltou no final de 45 minutos de peça. O texto redondo emocionou mais que as atrizes, mas pelas palmas entusiasmadas no final, ninguém reparou nisso. 

Oração - E fez-se a luz! 

Qualquer argumento que tente diminuir a peça Oração não seria suficiente para tirar o mérito do trabalho estético realizado pela Cia. Nossa Senhora do Teatro Contemporâneo. é impressionante a composição do Teatro Uninter mais o cenário sombrio mais a iluminação brilhante. 

Não há como esquecer as centenas de bonecas espalhadas pelo chão, subindo as escadas e pendurando-se pelas paredes. Impossível não ficar marcado pelo trabalho feito com as luzes de dentro e de fora do teatro ¿ perfeitos para o espaço. O cuidado com a apresentação do espetáculo, a forma como a platéia é disposta e como um personagem distribui o público nas cadeiras valem o ingresso. 

As cenas construídas em silêncio e quase sem lógica causam tensão e agonia ao mesmo tempo em que elucidam as intenções da peça. Em cena, cinco personagens decidem que a partir de hoje serão bons e puros. ¿Não te dá conta do que é preciso fazer para ser bom?¿, pergunta alguém. Eles não sabem, mas acreditam que é preciso mudar os maus hábitos para poder ir para o céu. 

é a partir dessas discussões sobre bondade, afirmações da Bíblia e a necessidade do Paraíso, principalmente, que Fernando Arrabal propõe dúvidas sobre verdades ¿inquestionáveis¿. Não é à toa que causa mal estar e profundo incômodo no ser cristão que existe dentro de cada ocidental. 

As bonecas iluminadas por luminárias de postes de rua virados ao contrário, as falas alucinadas e os olhares insanos colaboram para criar um ambiente febril, onde qualquer apagão de luz que insiste em acontecer pode ser a oportunidade para um personagem voltar-se contra você. 

Mas não. Em Oração nada é agressivo ¿ mesmo com a sensação de medo e desatino que pesa no ar. Quando a peça termina, apesar da desesperança do texto e do choque das ações, há um abrir de janelas e, mais uma vez, a iluminação surgida de um movimento simples embeleza e alivia todo o teatro. 

A Alma Imoral 

Que surpresa boa o espetáculo ¿A Alma Imoral¿ proporcionou! Com um jeito bastante meigo e certo, a atriz Clarice Niskier começa a peça explicando como a idéia surgiu e o que vai acontecer nos próximos minutos. De certa forma, o que Clarice faz é apresentar um prefácio da sua peça, como deve existir um no livro em que foi baseada. Um prefácio já delicioso e cheio de importantes reflexões. 

A peça mesmo poderia ser uma palestra de um rabino (o livro ¿a Alma Imoral¿, na qual a peça se baseia foi escrita pelo rabino Nilton Bonder) sobre dúvidas existenciais, religiosas ou cientificas. Mas não parece uma palestra. A atriz usa sua experiência para se desnudar na frente da platéia e explicar que na natureza não existe nudez, que isso é coisa criada pelos homens. 

Uma teoria interessantíssima é criada a partir da idéia de traição versus tradição. A discussão sobre a natureza imoral da alma do homem faz perder o fio da história algumas vezes, mas como Clarice já havia avisado: ¿é assim mesmo¿. é por isso que ela faz uma pausa no meio do espetáculo para recapitular trechos da peça que alguém pode ter perdido. Então a platéia fala uma palavra e a atriz rememora todo o trecho referente àquele palavra. Chega a impressionar. 

Dá vontade de ler o livro, de ficar mais uma hora no teatro, de conversar sobre os temas com um amigo, de levar outros para assistir e também se deliciar com pensamentos às vezes tão simples mas tão cheios de verdade. 


Os Leões - Não é o que Parece 

"Não é o que parece", avisa a manchete do jornal lido por um dos personagens de Os Leões, outra peça de rara beleza da Mostra Novos Repertórios, integrante do Fringe deste ano. 

As conversas e as situações vividas pelos dois amigos ¿ que durante todo o espetáculo não saem de casa, apenas repetem a ação de trocar de roupa, passar um café que dizem que não gostam e ler os mesmo jornais e livros ¿ também podem não ser bem o que parecem, a menos que a realidade seja muito mais efêmera e absurda do que achamos que é. 

Verdade é que o texto de Os Leões brinca com nossa lógica dialética o tempo inteiro. A partir de questionamentos que parecem absurdos, apesar de banais, surgem diálogos divertidos, irônicos e improváveis, justamente pela mistura entre o comum e o extraordinário. 

é dessas lógicas ilógicas (e, aqui, perdoem a falta de exemplos, mas nenhum deles conseguiria ser bom ou fiel o bastante) que nasce um texto fresco, leve e muito agradável. Cabe elogiar a interpretação dos atores Diego Fortes e Alexandre Nero, que só fez acrescentar sensibilidade e graça à comedida e elegante montagem. 

A peça, enfim, é uma delicia, um convite à brincadeira, a entrar num mundo em que existe um Doutor Guesman ¿ que vende conselhos em seu escritório ¿ e no qual um homem pode perder o seu universo e entrar em outro onde tudo é branco. Possibilidades, mistérios, efemeridade, loucura e realidade transformam a visita à casa dos dois amigos em uma hora de satisfação certa e agradável. Imperdível. 

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Queria ter publicado enquanto o Festival de Teatro Acontecia, mas já que não deu, aqui vai: 
"Resenhas da Milena" 

Há Menos Emergências Agora 

Eu tenho um bloquinho verde e uma caneta vermelha e gosto de escrever frases soltas durante um espetáculo. Quando me sentei para assistir ¿Menos Emergências¿ eu mantive o mesmo ritual, mas não pude escrever mais do que cinco frases. Não porque não houvesse o que anotar, mas porque eu esqueci de fazê-lo. 

"Menos Emergências" é uma das melhores peças que vi em tempos. é intrigante, inovadora, bem-feita, bem produzida, bem interpretada. è de fazer feliz. Logo de cara, fui presa por aqueles cinco atores de tal forma que não pude desviar mais os olhos nem a atenção. Ainda bem. 

Na peça, não existe um começar, um início definido ou diferente do que vemos quando entramos no teatro. A história, se é que é possível afirmar isto, é feita de não-ações, quase nada acontece, mas tudo é visto. Nenhum dos personagens das histórias aparece. Os atores são narradores, seus personagens são apenas os criadores de uma história totalmente nova e totalmente cativante. 

As três cenas escritas por Martin Crimp são inéditas no Brasil e foram traduzidas pela própria companhia curitibana. Como explica o programa da peça, o autor inglês tem dois métodos de escrita: o convencional e o outro é ¿a forma de drama narrado no qual o ato de contar histórias é, ele próprio, dramatizado¿. 

é uma tarefa difícil elencar os adjetivos de ¿Menos Emergências¿. A gente sempre acaba com um ¿vá ver¿, ¿não perca¿, ¿vá, vá, vá¿. O que não se pode deixar de elogiar é a iniciativa da Pausa Companhia em revelar bons dramaturgos contemporâneos, que têm novas propostas e dão novos caminhos para o teatro, como fazem em ¿Aperitivos¿, também em cartaz no FTC. 

Em ambas as peças, o visual moderno e limpo caracteriza o estilo do grupo. Muito bem dirigidos por Márcio Mattana, os atores Andréa Obrecht, Gabriel Gorosito, Pablito Kucarz, Renata Hardy e Sidy Correa estão afinados, entrosados, preparados e evidentemente contentes. 

Depois das palmas, a certeza de o que não foi registrado no bloquinho verde pode ser substituído por um sentimento de real satisfação e de um pouco de esperança. No meio de tantas decepções, é um alívio redescobrir o teatro. ¿Há menos emergências agora¿, sem dúvida. 


Folias Machadianas - Quando o espaço atrapalha 

Quantos fatores precisam convergir para que haja um espetáculo? Há quem diga que apenas um ator e apenas um espectador são suficientes. 

Mas, e para que haja um bom espetáculo? Existem tantas coisas que podem prejudicar uma peça: o ambiente, o som, a temperatura, a interpretação, a luz. Basta que exista um incômodo maior para que aquele encontro entre público e elenco seja destruído. 

Na estréia da peça ¿Folias Machadianas¿, no teatro Edson D¿àvilla, o ambiente não deu trégua para os atores e público. A falta de um espaço isolado entre a mesa de som/luz e o público e o zumzumzum de todo o cochicho da equipe técnica que ainda se adaptava ao local perturbaram o espetáculo. O mesmo se diz do banheiro, em que a cada vez que uma menininha pedia à avó que a levasse ao toalete, ouvíamos a porta, a conversa, os passos e a descarga. 

E com todos os incômodos, como não elogiar o Grupo Atos, que, apesar de tudo, manteve o pique durante uma hora e meia de espetáculo? 

A montagem de duas peças e de dois contos de Machado de Assis é, no mínimo, um ato de coragem, encarado com tanta disposição que por pouco não chamo de afobação. A dicção das expressões machadianas, muitas vezes, foi falha. Frases completas se tornaram confusas, porque palavras mal articuladas como ¿perjúrio¿, ¿abrandar¿ ou ¿capitular¿ embolam com outras e são incompreensível no fim. Mas o conjunto expressões, entonações e movimentações era favorável e quase sempre tudo se esclarecia. 

Em duas cenas, a opção de manter a voz do narrador do conto enriqueceu a cena e as interpretações e permitiu que a voz de Machado fosse ouvida de forma bastante interessante. 

O grupo de Joinville é obviamente apaixonado pelo que faz, sua energia vaza para a platéia e isso ajuda a superar as adversidades do espaço e da duração da peça. Também é mérito da companhia a criação de músicas despojadas, que aliviam a troca de cenas, figurinos e cenários, além de serem divertidas e afinadas. 


Linguas Estranhas - Rápido como no cinema 

Alguns desencontros engraçados divertem o público na primeira cena de ¿Línguas Estranhas¿. Dois casais desiludidos com seus relacionamentos, procuram um outro corpo para se aquecer e acabam, sem que saibam, trocando de parceiros. Como se o mundo fosse pequeno pra caramba, dias depois, os traídos e os traidores se conhecem em um bar, porque às vezes, é mais fácil se confessar com línguas estranhas. 

No segundo ato, como se fosse outra história, conhecemos uma psicanalista que pede carona a um estranho e desaparece após deixar recados na sua secretária eletrônica. Seu marido parece impassível, mas ele também tem seus segredos. 

Essas histórias aparentemente sem ligação são parte de uma peça de suspense, em que a tensão criada pelos acontecimentos invade o teatro e transforma as risadas iniciais em bocas cerradas e olhos alertas. 

O que descobrimos depois é que estamos assistindo a todos os pontos de vista de uma história, que envolve vários personagens, desejos e sentimentos. A semelhança com o cinema é reconhecida de imediato. A montagem paralela ¿ às vezes se utilizando das mesmas falas em bocas diferentes, outras usando o mesmo texto com outra intenção ¿ é intrigante e proporciona bastante agilidade para as cenas. 

O elenco impecável, a iluminação e a trilha sonora perfeitas, a história surpreendente e a sensação que permanece mesmo dez minutos depois de tudo acabar são provas de um trabalho pesquisado e estudado, como toda boa peça deveria ser.